sexta-feira, 22 de junho de 2012

A alegria da casa.

Nasci em uma família humilde, de meus doze irmãos sou eu a mais nova, até meus cinco anos, morei em um rancho de palha com piso de chão batido. Dormia no mesmo quarto de meus pais, qual um bebezão, em um berço – meu berço – que foi aumentado para servir-me de cama. Apesar da condição modesta, sempre fui muito feliz nesse lugar. Recordo-me com saudosa lembrança que nosso rancho ficava em uma bela planície; possuíamos um pomar bastante sortido que era cuidado por meu pai, e um belo jardim mantido por minha mãe Noêmia. Ah...! Quanta saudade de meus pais... Meus heróis, meus super-heróis! Saudade de uma época em que não sabia o que era a maldade, em que era protegida e muito amada por minha família.

Recordo-me também de como tudo era difícil naquela época... não havia escola para frequentarmos, e com poucos recursos para contratar um professor particular, o conhecimento, ainda que parco, era transmitido de uns para os outros. Minha irmã e madrinha, Aida, foi quem ensinou-me as letras.

Como a família era grande, todos nós ajudávamos no serviço da casa. Ainda muito jovem ia para o arroio lavar roupas. Certa vez, Rosa minha irmã, ao carregar-me em um carrinho-de-mão acabou por me derrubar por sobre uma pedra, onde bati com o tórax. Claro que nada contamos a nossos pais sobre o incidente! Só ficaram sabendo algum tempo depois porque se formou um abscesso e precisei ir ao médico; no final das contas, tive de passar por um processo cirúrgico.

Aos meus seis anos um tio apelidou-me de “Alegria da casa”, pois eu gostava muito de cantar e dançar, aliás, aprendi a dançar com o senhor Aufeu Rosa, que punha-me sobre seus pés dizendo: “serás uma grande bailarina, pois estás aprendendo a dançar com um negro”. “Seu” Aufeu foi uma figura muito carismática, criou-se em nossa família e, portanto, era tido como parte dela.

Eu tinha por entretenimento fazer crochê, guardo até hoje meu primeiro feito: um singelo guardanapinho. Nossa diversão eram as serenatas, as comemorações de aniversário em família, os bailes... E como não mencionar a memória que mais amo, que me faz emocionar ao lembrar? Dos Sábados de Aleluia, quando meu pai acordava-nos ainda muito cedo ao som de gaita, com grande alegria, festejando, e passávamos a noite em churrasco familiar.

Minha irmã mais velha, Iolanda, casou-se bastante nova, eu costumava chamar seu marido de “tio”, “tio Alexandre”, apesar de ele ser apenas meu cunhado. Era uma forma carinhosa e familiar de tratá-lo. Eu gostava muito de pernoitar na casa deles, pois seu filho mais velho, meu sobrinho, Assis, tinha quase a mesma minha idade, assim, distraiamo-nos brincando e ouvindo as historietas fantásticas de assombrações e também os causos pilhéricos que “tio” Alexandre contava-nos. Quando eles se mudaram de seu rancho próximo ao nosso para a Venda da Lata, eu passei a chamar o lugar de “tapera do ‘tio’ Alexandre”. Foi ele uma pessoa que marcou demasiadamente minha infância.

Quando completei dez anos, abriu-se a primeira escola que tive condições de frequentar, situada na Venda da Lata. Por esta idade comecei a cursar a primeira série. Foi isto algo tão importante para mim, que recordo-me até mesmo o nome de minha primeira professora: Maria Helena Rodrigues! Nessa escolinha aprendi a declamar, a ter gosto pelas artes... Junto a outros colegas e a professora Maria Enilda Santos, fundamos um CTG, onde passamos a aprender as danças folclóricas – a propósito, aprendemos muito sobre o folclore gaúcho. E, eu que não gostava disso estava sempre engajada aos eventos... Quando passei a estudar na então Escola Ponche Verde, ingressei também em seu corpo de danças, onde participei de alguns eventos.

Outra lembrança que possui matizes formidáveis em minhas reminiscências é o de meu primeiro baile no “20 de Setembro CTG”.  Eu tinha 15 anos e foi nessa época que comecei a aflorar para meus primeiros amores, ainda que minha mãe, muito conservadora e protetora, jamais me deixasse a sós, aliás, não descuidava de mim um segundo sequer!

Prossegui minha jornada acadêmica e, em 1975 comecei a dar aulas na Escola Venda da Lata – vejam quanta coincidência! O começo de minha vida acadêmica e o de minha vida profissional foram no mesmo lugar: na Venda da Lata. Em 1987 recebi meu diploma do Curso de Magistério da então Escola de 1º e 2º graus Ponche Verde.

Com o passar do tempo, encontrei aquele que foi meu amor maior, aquele que escolhi como companheiro a trilhar os caminhos da vida, meu marido Elton, pai de meus dois amados filhos. Prossegui a lecionar até meus 53 anos, quando me aposentei. Hoje, viúva, vejo meu casal de filhos crescidos, casados e prósperos em suas vidas, que me presentearam com 05 netos, ao quais amo muito – avó é mãe duas vezes; mãe com açúcar... Na solidão de minha casa, através das brumas do tempo e de minhas, um pouco turvas, memórias, narro estas poucas reminiscências que apaziguam a saudade de um tempo que me é tão caro...

Memória literária escrita com base no relato de minha tia-avó Doralina. 

         Farias, M.S. "A alegria da casa." Junho de 2012. http://livredialogo.blogspot.com.br/
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