sexta-feira, 27 de julho de 2012

A Riqueza sagrada de ser humilde.

O diálogo que segue é verídico e ocorreu na rede social Facebook entre amigos, que fique claro. Para evitar a exposição dos envolvidos, nomes e dados que possibilitassem a identificação foram removidos. O "Diálogo Livre" pede, no entanto, que  se este material for utilizado, seja citada referência à livredialogo.blogspot.com nos termos expressos ao final desta postagem. Outrossim, que não haja intolerâncias em possíveis comentários. Grato pelo entendimento, Farias, M. S. 

***

Padre: Colocar este tipo de comparação não tem nenhum sentido... Devemos colocar o que temos de bom ou até de melhor para o culto de Deus. Só assim nossas consciências se abrem para o transcendente e para o infinito e não nos fechamos na nossa mesquinhez... Devemos viver a pobreza real na vida pessoal, sem colocar o que sobra para o culto de Deus. Assim vive o Papa e viveram todos os amigos de Deus. Só assim ajudaremos verdadeiramente os pobres.
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Leigo: O problema, padre, é que as pessoas não veem assim. Eles veem ouro adornando a Igreja que prega a partilha, a ajuda ao próximo. Elas veem a Igreja de Cristo dona de valores altos, rica, e sabem que Jesus viveu humildemente. Elas querem mais que simplesmente palavras, querem ação. O que de melhor podemos oferecer a Deus senão nossos corações sinceros? Ouro não teria tanto valor se existisse em toda parte, seria apenas mais um metal qualquer. Ajudar ao semelhante, salvar uma vida abnegando a sua é algo de um valor imensurável. 
Sou Católico, amo a Igreja que sigo e a defendo quando vejo lhe acusarem, mas há certas coisas que são difíceis de compreender. Às vezes pergunto-me se esse conceito de "colocar o que temos de bom ou até de melhor para o culto de Deus" no sentido material não fez com nos desviássemos de nosso verdadeiro caminho, pois o que de melhor podemos empregar senão o coração sincero, a ajuda ao próximo que sofre?
Sei que os governos têm suas responsabilidades, que a Igreja ajuda que já chegou a fechar as contas em vermelho e tudo mais, mas há sim, mesmo que pouco, um fundo de verdade nessa imagem. E digo mais, não é apenas a Igreja Católica que merece um "puxão de orelhas" como esse da imagem, outras tantas também deveriam ser criticadas.

Padre: Não consigo concordar com esta visão, caríssimo amigo, pois a que se gasta no culto, por melhor que seja é completamente irrisório. Não faria sentido que tivéssemos artigos de segunda qualidade no culto divino e de primeira em nossas casas. Quando seguimos por este caminho nos tornamos mesquinhos. Os maiores santos que atenderam como ninguém os pobres, a saber, um São Francisco, uma Madre Tereza de Calcutá esforçavam-se na sua pobreza em ter na capela de suas casas religiosas artigos de primeira para dar glória a Deus. Uma coisa não vai contra a outra. O que devemos cuidar é do nosso egoísmo. Geralmente quem acusa a Igreja disto não entende o amor dos cristãos por Deus e sua centralidade em nossas vidas. E me pergunto o que estes acusadores mal intencionados fazem pelos pobres. É minha visão, querido amigo. Posso estar errado, mas não consigo enxergar de outra forma. Grande abraço.
Ademais cabe outra colocação: poderíamos nós vender a Matriz de nossa cidade para ajudar os pobres? Seria realmente ajuda os pobres acabar com este prédio de uso para o culto de Deus, tornando de uso comercial, para que sua renda fosse revertida aos mais necessitados? Sempre que Deus saiu do centro da vida humana a vida humana foi pisoteada.

Leigo: Padre, acredito que o senhor não tenha compreendido minha observação. O que critico são os exageros. Há realmente a necessidade de expressarmos nossa fé, nosso amor, por meio de coisas materiais? Não. Deus, acredito eu, leigo que sou, não distingue a adoração feita num templo belíssimo de uma feita no mais humilde dos recantos, Ele observa a pureza, a verdade, a fé que há nelas.
Não estou dizendo que se deveria vender a Santa Sé. De forma alguma.
Desculpe se estou sendo petulante, vendo as coisas por um ângulo errado, mas não consigo entender algumas coisas.
E acho que, isso se aplica não apenas a Igreja, mas a seus seguidores também.

Padre: Mas vamos lá, gosto de debates nestes temas cruciais. Não consigo ver exagero verdadeiro nas obras e objetos de culto da Igreja. Tens toda a razão, mas se pudéssemos dar para Deus algo bom e não déssemos e pelo contrário usássemos pessoal e egoisticamente, estaríamos sendo puros, verdadeiros e coerentes com o que acreditamos?

Leigo: Se pudéssemos dar e pelo contrário usássemos egoisticamente, então é por que não temos fé. Agora me responda: como realmente podemos dar esse algo bom a Deus senão utilizando-o em favor de um semelhante que sofre, que muitas vezes não tem sequer o que trajar, quanto mais o que comer?

Padre: Para entender esta prática milenar dos cristãos em dar o melhor para Deus (aliás, como foi feito aqui em nossa cidade, quando os cristãos construíram com o melhor prédio, no lugar mais central da cidade para Deus) é preciso entender a partir de uma fé viva, prática e de um amor verdadeiro e enamorado. Como um namorado vai convencer sua amada que a ama quando dá presentes sem valor para ela e gasta em coisas supérfluas para si e para outras pessoas?

Leigo: Padre, sentimentos são imateriais.

Padre: Não dá para contrapor culto de Deus e ajuda aos pobres, nunca a Igreja os contrapôs: são duas faces da mesma moeda, completamente inseparáveis.
São sentimentos imateriais, mas que necessariamente devem ter repercussão material. Quando aquela mulher no evangelho esbanjou com um óleo caríssimo sobre o corpo de Jesus, Judas Iscariotes reclamou dizendo que se poderia dar aquele valor para os pobres. Jesus defendeu o gesto cheio de amor daquela discípula...

Leigo: Sim, eu sei bem disso. O problema é que ao longo dos séculos nós nos fomos desviando do caminho. Quando surgiu a Igreja, não havia Vaticano, papado propriamente instituído como hoje, não havia ouro. Jesus viveu humilde, não precisou de ouro, mármore, nem nada material para demonstrar seu amor ou propagar seus ensinamentos. Pedro abnegou-se, cumpriu sua missão transmitindo as palavras de Cristo e não precisou de nada material para mostrar a Deus, a Cristo que os amava.
Não acho errado a Igreja ser adornada. Acho-a bela. O que não me conformo é com os exageros. Para que tanto luxo, tanta ostentação ao passo que muitos sofrem sem um centavo?
Será que realmente não nos tornamos gananciosos ao longo dos séculos?

Padre: Bem Papa sempre existiu. Viver pobremente como Cristo é uma coisa, agora tratar as coisas que se referem a Deus de maneira miserável com a desculpa de dar para os pobres não parece haver sentido, pois dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo, e repito necessariamente. Temos que viver a pobreza, não esbanjar, pensar nos outros e naquilo que mais toca em Deus aqui na Terra, sobretudo quando se trata da Eucaristia. Cuidar do culto de Deus está bem longe de ser ganancioso muito pelo contrário. A Igreja, isto sim, não deve ter prédios, campos, carros que não sejam estritamente para a evangelização e para o cuidado dos pobres ou ainda que sirva para a cultura da humanidade. Nada que seja supérfluo.

Leigo: Padre, eu sei muito bem que a Igreja trabalha em obras humanitárias. Já cheguei a discutir gravemente com amigos defendendo a postura da Santa Sé. No entanto, acho que expressar a fé em coisas materiais deixou há muito de ser uma necessidade e, tornou-se, talvez, a única representação da fé de muitos. Quando falei da ganância dentro da Igreja, não me refiro somente ao uso de materiais preciosos a todo de ornamentação, mas também das disputas internas que vem desmoralizando-a, a ponto de documentos sigilosos que comprometem a imagem da Igreja vazarem supostamente por ação de membros da Cúria. Isso me parece pouca fé e muita ganância.
Como católico que sou, fico muito entristecido ao ver a Igreja que amo e sigo metida em escândalos, adotando posições que muitas vezes se chocam com seus ideais.

Leigo 02: Acho que dar o melhor pra Deus (dourar coisas, por exemplo) é típico de qualquer cultura seja ela cristã ou não. É simples e não precisa pensar muito: quando você vai dar algo a alguém que preza muito, você dá qualquer coisa e ela que entenda, ou você, ainda que através do material, tenta dar algo de estima, belo, marcante? E imagina isso numa relação com o Deus? Não é elevado à máxima potência? Por isso é normal e é do homem ornar templos, tentar imitar através da arte (música, por exemplo) aquilo que dentro de seu imaginário, mas também dentro do seu simbólico interno representa Deus.

Leigo: Sou católico porque creio e respeito a religião e seus dogmas, no entanto, há certas coisas que eu não consigo compreender, como já disse antes.

Leigo 02: Agora isso não tem nada a ver com o mau comportamento dos cristãos ou de outras religiões ou ate de ter/não ter religião: um mendigo pede uma esmola na porta da Igreja: isso é culpa sua ou da Igreja? Ou é culpa de quem? É o ouro da Igreja, ou de uma cidade inteira que vai resolver? Com certeza não... Ouro nenhum no mundo pode resolver o HOMEM. O problema não esta fora nos bens, dentro do homem.

Padre: Bem. Deus se encarnou, e, portanto a matéria é importante para Deus. A fé necessita ser expressa materialmente, visivelmente, como repercussão exterior daquilo que acreditamos em nossos corações. Quanto ao pecado destes irmãos que traíram o Santo Padre cabe-nos perdoá-los e lembrar que não são erros da Igreja como instituição divina, mas de membros da Igreja. Como são também os nossos pecados, são nossos e não da Igreja.

Leigo: Mas nós não somos Igreja, Padre?

Leigo 02: Cito aqui uma passagem bem interessante: 3 Maria, então, tomando meio litro de perfume de nardo puro e muito caro, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com os cabelos. A casa inteira encheu-se do aroma do perfume. 4 Judas Iscariotes, um dos discípulos, aquele que entregaria Jesus, falou assim: 5 “Por que este perfume não foi vendido por trezentos denários para se dar aos pobres?” 6 Falou assim, não porque se preocupasse com os pobres, mas, porque era ladrão: ele guardava a bolsa e roubava o que nela se depositava. 7 Jesus, porém, disse: “Deixa-a! que ela o guarde em vista do meu sepultamento. 8 Os pobres, sempre os tendes convosco. A mim, no entanto, nem sempre tereis”.

Padre: Todo batizado, até aquele que não tem participação é membro da Igreja. Agora o que um membro da Igreja pensa nem sempre é necessariamente o que a Igreja pensa. Quando faço uma coisa errada que não está de acordo com a Palavra de Deus, não é a Igreja que está errando, sou eu. Mesmo quando falo, se falo em desacordo com o que diz a Igreja, mesmo sendo padre, não é a Igreja que está falando.

Leigo: Leigo 02 dê-se ao trabalho de ler todo o debate e interpretá-lo. Já falamos sobre isso. Além do mais, sendo Jesus quem é não é de se supor que soubesse a intenção de Judas e o fato de sua hora aproximar-se tenha considerado muito mais que o gesto de Madalena, sua intenção intrínseca?

Leigo 02: Mas sobre as decepções, Leigo: a Igreja é justo o local de maior combate! É justamente aqui que vamos enfrentar as maiores decepções, as maiores lutas mas também a maior vitória. Já leu a vida de um Francisco de Assis? Ou mais atual Pe. Pio? Onde estiveram suas maiores cruzes? Na Igreja! E é isso mesmo! É aí que se dá a luta! E aí vem a dor e a alegria! Não em outro lugar!
Desculpe Leigo, li sobre o debate, desde a foto, cada letra e expressei uma opinião. Retiro-me da discussão neste momento: você quer filosofar, problematizar etc... Não tenho tempo pra isso, achei que queria soluções, mas você quer dúvidas :) seja feliz!

Leigo: Bom, então só sou parte da Igreja se eu estiver certo ou de acordo com ela? Mas padre, a Igreja é dirigida na Terra por seres humanos e somos falhos.
Acredito que já estamos fugindo ao tema central do debate. E entrando noutros aspectos.

Padre: Queridos amigos: em tudo ha caridade. Não queremos ganhar debate, apenas expressar nossos pontos de vistas para nos enriquecer mutuamente. Só para isto. Pelo contrário Leigo 02 seja bem-vindo. Destes contribuições importantes. O ponto de vista do Leigo também é importante, pois assim ajudará aos Pastores da Igreja a nunca decair. Paz...
Decair num exagero que também não condiz com o verdadeiro espírito da liturgia cristã.
Bem queridos, vou botar o Padre para dormir. Boa noite e que Deus abençoe a todos.

Leigo: Padre, acho que o objetivo das religiões deva ser tornar as pessoas melhores, trazer paz, humanidade, amor, fraternidade aos corações. Demonstrar nossa fé, nosso amor a Deus é importante, mas não devemos nos esquecer do nosso próximo. Não sou contra a igreja adornada em ouro, só acho que deveríamos nos preocupar com nosso semelhante que sofre. E gostaria muito sinceramente de ver a Igreja Católica (sacerdotes e fiéis) novamente vendo no próximo a manifestação de Deus. Não me esqueço da catequese e das homilias onde ouvi que nosso corpo é o templo do Espírito Santo, então acho que deveríamos nos preocupar com isso. 
Desculpe-me pela petulância, por "problematizar" como sugeriu o Leigo 02, mas precisava ao menos consignar um ponto de vista. 
Vou reler nossa conversa e procurar refletir mais sobre ela, buscar compreender melhor esta concepção da Santa Igreja. Agradeço-lhe, Padre pela paciência, asseguro-lhe que me há sanado algumas dúvidas e proporcionado um maior conhecimento da religião que sigo fidedignamente.
Tenhas uma boa noite.
Abraço.

Padre: Bom dia Leigo. Esta conversa também foi importante para mim. Obrigado pela ajuda.



"A Riqueza sagrada de ser humilde". Julho de 2012. http://livredialogo.blogspot.com.br/
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